Inicialmente, cem delas vão receber bolsa para voltar às aulas e se matricular em cursos do Pronatec
por Mariana Sanches
09/01/2015
6:00 / Atualizado
- O Brasil é o país que mais mata travestis no mundo. Mata quatro vezes mais do que o México, o segundo mais violento. Essas pessoas nunca foram tratadas como cidadãs, sempre foram empurradas para as ruas pelas famílias, pela escola e pela sociedade. Queremos tratá-las como gente, com a opção de se prostituir ou não - afirma Rogério Sottili, secretário de Direitos Humanos do município, responsável pela coordenação do programa.
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EXPANSÃO ATÉ O SEGUNDO SEMESTRE
Segundo Sottili, o programa começa com poucas vagas, mas poderá ser ampliado já no segundo semestre. A ideia é que as travestis permaneçam no programa por dois anos e saiam de lá formalmente empregadas. Não existem estatísticas oficias sobre o número de transexuais e travestis vivendo em São Paulo, mas a secretaria estima que sejam ao menos quatro mil.
- Elas são alvo preferencial do tráfico de pessoas, do tráfico de drogas. Entre as beneficiárias, nenhuma tem renda fixa, todas vivem em moradia precária, não terminaram a escola e começaram a se prostituir ainda na infância. Delas, 31% admitiram ter silicone industrial injetado no corpo, e 60% afirmaram já ter sofrido alguma agressão física por sua identidade de gênero - explica Alessandro Melchior, coordenador de políticas LGBT da prefeitura e autor do programa.
A paulistana Aline Rocha, de 36 anos, é a face que ilustra os dados elencados por Melchior. Os traços femininos dos olhos e do nariz desenhados a bisturi são emoldurados por um espesso cabelo negro implantado cirurgicamente. Para custear as operações, Aline se prostitui há quase 20 anos. Parou de estudar na 4ª série — seu jeito afeminado a tornava alvo de espancamentos dos colegas. Ela tentou outros trabalhos, chegou a ser atendente de uma locadora de vídeo, mas diz que perdeu o emprego ao resistir aos assédios sexuais do patrão. A prostituição, segundo Aline, era sua única fonte possível de renda. Sem dinheiro para reconstruir o corpo todo com plásticas, apelou para a caseira solução de colocar silicone industrial nos glúteos. Como muitas travestis brasileiras, chegou a ir morar na Itália, onde fez centenas de programas. Acabou presa pela polícia italiana.
- Sair da rua é tudo o que eu mais quero na vida. Não tem nada pior do que ser tratada como um pedaço de carne, cada dia um estranho diferente passando a mão no seu corpo - conta, entre lágrimas.
Além de si mesma, Aline sustenta a mãe. Afirma que estava a ponto de “acabar com a própria vida” quando foi selecionada pelo programa:
- Minha esperança é que isso me devolva o respeito, a dignidade. Quero poder entregar currículos e ser selecionada para trabalhar como todo mundo.
Além disso, o município irá inaugurar o primeiro albergue público exclusivo para travestis. É para lá que deverá se mudar Jennifer Araújo, de 31 anos. Jennifer está sem casa nos últimos dois meses, desde que resolveu deixar de se prostituir e se inscreveu no programa municipal. Ela é reticente sobre sua condição anterior e desconversa quando perguntada sobre cafetinas e pontos de prostituição. Mas, com frequência, travestis são aliciadas sexualmente e pagam com o corpo pela moradia. Quando desistem da prostituição, ficam também sem teto.
- Tudo o que eu quero é trabalhar atrás de um computador ou ser assistente social. Acho um luxo - diz Jennifer, que começou a se prostituir aos 16 anos, depois que ficou órfã.
PREOCUPAÇÃO COM A VELHICE
Ela diz que sua motivação para procurar a prefeitura foi pensar no futuro, especificamente na velhice. E lembra que a prostituição a atraiu porque o dinheiro que recebia era maior do que nos empregos que conseguiria com sua baixa escolaridade.
O programa não obriga as travestis a deixar a prostituição. Mas, ao remunerá-las para estudar, cria uma inédita oportunidade para isso. Jennifer ostenta no rosto as marcas de uma paulada desferida por um cliente que quebrou seu maxilar. Ela sabe que nada vai apagar as cicatrizes de seu passado, mas abre um sorriso diante da possibilidade de recomeçar.
Fonte da noticia - http://oglobo.globo.com/sociedade/prefeitura-de-sao-paulo-pagara-salario-minimo-para-travestis-estudarem-15002868?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O%20Globo
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