Crônica de
bibiu do jatobá. 26/05/2013.
Ainda bem cedinho, minha avó pegava
uma sexta feita de cipó e taboca e falava: “vamos bibiu apanhar ali um
cozinhado de feijão pra nós almoçar?” E
lá íamos nós trilhando aquele caminhozinho margeado por um florido capim
amargoso de um lado e outro, ainda molhado do orvalho matinal, molhando minhas
canelas finas todas lapiadas dos roentos espinhos e uns danados de um mosquitos
que se candidatavam a morrerem de tapas.
Minha avó era uma mestiça, filha de
sertanejo com uma índia “caboclo brabo”, braba que só o cão, mais afável e
dócil que só uma gatinha de estimação.
Cantarolando a musica “o canto da ema” de Jackson do Pandeiro, a gente
chegava no roçado situado há uns vinte minutos, a pé, de nossa casa.
Era mês de São João e o roçado
estava um colorido impar nesta época do ano.
Uma latada só de feijão madurim, madurim! Feijão macaça, baiba de guiné, feijão ligeiro,
a maioria. - Cuidado para não apanhar
os canivetes viu seu cabra! - E vamos
ligeiro senão não dá tempo cozinhar!
Em instantes a sexta estava cheia de
bagens e a gente cuidava de voltar catando nos aceiros do roçado umas cabeças
de maxixe, um quiabos, uns pés de coentro, hortelã da folha miúda, umas folhas
de côves e um galhinho de manjericão.
Ainda dava tempo cortar um braçado de reloge para fazer uma vassoura.
- Vai debulhando o feijão que eu vou
matar a galinha. E eu só ouvia os
piados agonizantes da pobre penosa num ritual que apesar de tenebroso se revestia
de ansiedade pra gente saborear a inocente.
No instante ela matava a galinha,
colocava dentro de uma tigela de água fervendo, tirava as penas, esquartejava a
pobre, dava o sobrecu para lobinho, o vira lata, e metia já em outra panela
para cozinhar.
O fogão de lenha, com algumas toras
de juá verde ainda chorando, era um fogaréu que eu não sei como a casa de palha
não pegava fogo porque as palhas tisnadas ficavam a menos de um metro das
labaredas. Um fenômeno inexplicável.
Lá estavam duas panelas da pia; uma
com galinha de capoeira e outra com feijão verde. Lá do terreiro se ouvia o chiado da lenha e o
borbulhar da fervura das panelas propagando mundo á fora aquele cheiro de
coentro com feijão verde.
- Cuidado para o fogo não
apagar! Empurre o tição pra dentro com
cuidado pra não se queimar! Eram os
cuidados de minha avó para tudo correr bem enquanto ela varria o terreiro com aquela vassoura de
reloge que exalava um cheiro agradável de roça, de mato, de sitio.
- Vamos almoçar que a barriga está
roncando! Já era mais ou menos meio dia
e todo mundo era chamado para a mesa.
Os pratos de barro, um quengo de côco, as colheres, uma cumbuca de
farinha, um prato com molho de pimenta malagueta com cebolinha verde, coentro e
hortelã... Tinha ainda um bule cheio de
ponche de cajá e um baciinha de rapadura para a sobre mesa.
- Trás a galinha e o feijão pra
mesa! Um! Que cheiro, que fome. – Eu quero as tripas, o figo e a moela da
galinha! Pedia eu... – Coma com a boca não com os olhos, viu! Retrucava minha avó.
- Quem quer a asa? Quem quer a coxa? Cuidado que o molho está pegando fogo! Encha a boca de farinha que para de
arder! - O caldo é que está gostoso! –
Bota o café no fogo! – Quem tomar ponche não pode tomar café! - Liga o rádio que é hora do “forró de Zé
lagoa”.
A minha avó gostava ainda de fazer
uns bolos de feijão que ela ia machucando com as mãos. Molhava na graxa da galinha e dava pra
gente. - Aproveita que tem pouca
graxa! Era uma delicia!
Aquilo não era um almoço, era uma
celebração de prazer e cultura. Família
unida, humildade reinante e uma satisfação sem igual. Assim eram geralmente os almoços no período
de inverno em nossa casa em um sitio na zona rural. Bons tempos aqueles em que, como diz o ditado
popular, “éramos felizes e não sabíamos!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário